Passar meses sem espelho tem o poder de mudar sua relação com a vaidade da água pro vinho. Mais que isso, pode até te fazer ver a vaidade como ela é: um instrumento do ego e um pilar de existência falho.
Falho porque todos nós estamos condenados ao mesmo destino: à velhice e, então, à morte. Esse ultimo já sabemos ser inevitável e costuma nos preocupar menos do que o primeiro, que a indústria tenta nos fazer crer ser opcional e passível de escape.
O mundo é cruel e injusto com qualquer mulher em processo de envelhecimento, como se fosse um crime esse processo natural de mudança em prol de tantas outras qualidades adquiridas nesses mesmos anos: mais conhecimento, mais sabedoria e mais certeza do seu lugar no mundo.
Com isso nos vendem cremes, injeções, enzimas, massagens milagrosas, receitas infalíveis… que se é que mudam as rugas, jamais farão algo pelos anos a mais de experiência no mundo.
Essas vendas tem um bônus imperdível que inevitavelmente alcança qualquer um que participa dessa sádica corrida de beleza e juventude: a insegurança e a insatisfação constante.
Isso acontece porque toda obsessão tem o poder de nos cegar e essa, em particular, cria rugas inexistentes, deixa em evidência manchas minusculas e transforma qualquer gordurinha na sua pior inimiga.
Por alguns períodos da minha vida e em breves momentos ainda hoje, eu me vejo correndo pra assegurar meu posto nessa maratona sem vencedores.
Mas, como eu dizia, passar meses sem espelho muda a nossa relação com a vaidade. E, no meu caso, esses períodos acontecem anualmente sem data definida para começo-meio-fim. Então, caminhei pela praia com o cabelo armado de maresia, passei meses sem maquiagem e esqueci o que é fazer as unhas.
Inexplicavelmente, quando me vi no reflexo das aguas, me amei como nunca me amei em nenhum desses anos de prisão estética. Me amei porque sou livre, livre pra ser eu: com todos os meus defeitos e todas as minhas peculiaridades.